terça-feira, 28 de abril de 2009

Prefácio de um Dom

Todos estes títulos – que são desconexos a primeira vista – estiveram, estão e estarão presentes na minha formação enquanto leitor, enquanto pensador, mas, principalmente, enquanto pessoa. Um seriado de desenho animado; um seriado mexicano; duas músicas; um hino; dois filmes; e, por fim, três livros.

Neste prefácio, tentarei lincá-los em uma teia de pensamentos que pode não ser linear ou aparentemente lógica, mas que sua construção sólida aparecerá no fim desse mesmo texto.

Partindo de uma linha cronológica, esbarramos em um texto o tanto quanto engraçado, mas que serviu como uma de minhas primeiras análises interpretativas e que mais tarde, de certa forma, apurou meu senso crítico para uma área, que não é a que eu sigo hoje, entretanto, é a que mais possuo conhecimentos práticos: crítica esportiva. Refiro-me assim, ao Hino do Botafogo. Hino que servia como grito de guerra e que deu início às minhas leituras; não posso afirmar, mas talvez tenha sido antes mesmo de eu saber ler, podendo assim ser considerado o primeiro texto que eu decorei – óbvio que por algum tempo, você poderá ler como “codifiquei”.

Um pouco mais velho, já entretido com a televisão, acompanhava dois seriados – um de desenho e um real – que são cruciais para a minha formação: Os Cavaleiros do Zodíaco e Chaves. O primeiro, indiretamente. O segundo, não.

Esses cavaleiros, aparentemente mais fracos que os vilões, conseguiam buscar forças através da amizade e de nobres causas para derrotar os inimigos. Não que isso seja algo que hoje eu considere importante, contudo, cada personagem – como o nome do seriado indica – carrega uma titulação que nos remete a figuras mitológicas e lugares da antiguidade clássica: Athena era a deusa protegida; Hades, Ares eram vilões. Leão, Capricórnio, Câncer e todos os outros signos tinham seus cavaleiros representantes; entre muitos outros exemplos que poderia citar. O meu interesse hoje pela Mitologia e Clássicos Greco-romanos é oriundo, se não completamente, em grande parte por esse desenho da década de oitenta de cinco adolescentes que para salvar o mundo, fazem uma – nem sempre “real” – importante retomada ao “berço da cultura ocidental”.

O outro seriado, o mexicano, é alvo constante da minha escolha vocabular sendo raro o dia em que não utilizo uma frase do “Chaves”. Com tiradas espetaculares e um fundo de crítica ao sistema econômico vigente, Roberto Bolaños – Chaves –, também conhecido como Chespirito, ou Pequeno Shakspeare contava com a ajuda de Dom Ramon Valdez – Seu Madruga – e Carlos Villagrán – Quico – para criar histórias que podem ser vistas dezenas de vezes por crianças e adultos tendo como a maior prova disso, a enorme audiência que o programa tem. Outra característica marcante é a grande quantidade de personagens literários e históricos que são interpretados nos capítulos: Dom Quixote, Chaplin, Pantera Cor-de-rosa, entre muitos outros compõe o cenário de absurda simplicidade tecnológica e ao mesmo tempo enorme criação literária.

Entrando pela primeira vez na Literatura propriamente dita, após assistir aos filmes,O Senhor dos Anéis” é o livro de maior importância para que eu esteja cursando Letras. Desde novo eu lia Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo entre muitos outros escritores importantes, mas foi o inglês J.R.R. Tookien que me despertou para o mundo fantástico da Literatura. A obra tem uma linguagem não tão complicada, porém muito literária e com uma velocidade de narração que eu me identifico além de um cenário em que me vi presente por várias vezes quando jogava RPG, me ajudou a ter essa obra como livro de cabeceira durante um longo tempo, até que o segundo Dom – o primeiro foi o Dom Ramon Valdez – aparece para que eu o tire da cabeceira e coloque num lugar de destaque na prateleira.

Dom Quixote. Este segundo Dom, ainda como um livro de cabeceira, foi muito influente no meu gosto literário, funcionando, principalmente, como libertador da Literatura e da Arte, usando do conceito de arte do poeta Fernando Pessoa. Através de suas aventuras, pude descobrir o que é a universalidade, atemporalidade e todas as qualidades de uma grande obra. Esse livro marca o início de minha carreira acadêmica, uma vez que foi durante a sua leitura que soube do meu ingresso a vida universitária. Por fim, aproximo-me bastante do personagem principal, entendendo e muitas vezes compartilhando com os seus ideais.

Desde novo, acompanho a música de perto, cresci com as guitarras pesadas e o grave do bumbo da bateria dando o compasso da minha vida. Muitas músicas foram marcantes e importantes, sendo assim, escolho a que me acumula mais memórias: “O Último Romance” da banda brasileira Los Hermanos. Uma música bem trabalhada que utiliza a temática do Amor sem ser clichê, a batida tornou-se comum aos meus ouvidos quando tive a enorme chance de encontrar a pessoa de que devo muito, não só emocionalmente, mas também profissional e academicamente.

Com uma temática completamente oposta à música citada, o filme “Clube da Luta” mudou pra sempre a minha percepção de realidade e se tornou crucial para o viés de minha abordagem crítica, seja ela relacionada à Literatura ou não. “Clube da Luta” conta a vida comum e pacata do personagem principal que é desconstruída com a chegada de um amigo, Tyler Durden. Juntos, trabalham num sistema anárquico de revolta ao sistema capitalista. Filosofia, sociologia, psicologia, literatura, política, entre milhões de assuntos podem ser estudados. Separo minha vida em dois momentos: ante e pós Tyler Durden.

Seria impossível, não citá-lo nesse prefácio. O Bruxo do Cosme Velho serve de mentor para todos aqueles que não acreditam que não cabe a Literatura apenas a função de agradar ou elogiar. Escolho, com certa dor no coração por deixar tantas outras obras dele de fora, Dom Casmurro. O terceiro Dom, com sua linguagem manipuladora e sarcástica, obrigou-me a lê-lo por duas vezes seguidas, a fim de ter certeza sobre suas tendenciosas informações sobre Capitu, seu filho, seu melhor amigo, Quincas e todos os outros personagens que circulam no mais fantástico livro de literatura brasileira que eu já li.

Do livro para as telas, mas ainda com um personagem nada amistoso como Dom Casmurro, Jack Sparrow é o típico anti-herói da atualidade. “Piratas do Caribe” traz tramas com desfechos sempre imprevistos que confunde o telespectador a todo o momento. Não há um grupo de amigos ou aliança, são feitas e desfeitas na velocidade da arma sair da cintura e ser apontada para alguém. Por esse motivo, este filme está aqui. A lógica adotada de “amizade quando convém” encaixa perfeito com a minha ótica sobre a mesma. O filme incentivou-me a pesquisar sobre pirataria – sem relação direta com a de gravação de CD e DVD que faço –, e sobre a deusa Calypso, mais uma vez, focando para a Mitologia.

Por fim, mas não menos importante, apresento e antecipo a seriedade dessa banda inglesa que tem hoje a função de carregar o futuro da música em suas mãos, pegando a tocha da mão de outra banda inglesa U2. Adorados por intelectuais e odiados pela mídia, a banda inova em instrumentos musicais e em letras nada ortodoxas ou lineares, que falam dos mais variados temas. A escolha da música Weird Fishes/Arpeggi serve para ilustrar exatamente o momento que vivo e as indagações que qualquer estudante de Letras possui.

Apesar de uma enorme influência estrangeira, ainda me considero um brasileiro autêntico, pelo simples fato de considerar a arte como universal. O cenário, a língua, o viés, diferencia-se sim de um país para o outro, porém, a literariedade continuará sempre presente.

Como pessoa de meu tempo, quis conciliar algumas das ferramentas artísticas que me rodeiam, sejam elas arte de fato ou as que se subsidiam da arte para cumprir o seu papel.